Minha querida Abigahil,
faz muito tempo que penso em lhe
escrever, contudo a vontade me falta e assunto tambem. Sinto-me envolto em uma
redoma de desinteresse que me tolhe totalmente os movimentos.
Hoje, porem, o dia amanheceu particularmente lindo! Resolvi entao abrir
antigos papeis e encontrei sua carta, uma carta especialmente estranha. Li
varias vezes e vejo que voce previa o meu sofrimento e acho ate que esta
aguardando por esse momento de lucidez, que me encontro hoje!
Querida, o sol nos deu o ar de
sua graca e novamente me encontro diante de um computador, numa sala lotada de
pessoas desconhecidas e que nada tem a me acrescentar, alem de sua morbidez e
preguica. Na maior parte do tempo tenho um sono terrivel, pois nada fazemos,
alem de pesquisar sites de propostas de trabalho – que nunca se adequadam a
minha situacao – ou jogar aqueles monotonos e inganhaveis jogos contra o
computador.
Quando comecam a conversar
imediatamente tenho que parar de pensar para tentar entender o novo idioma,
antes interessante, agora pesarosamente estudado ate o limite da necessidade. E
como nao tenho tanta necessidade assim de conversar com ninguem, pois assuntos
sao estranhos, eu estou estranho, as palavras vao aminundando e o vocabulario
passa a ser infantil.
Dias me divirto com a pressa dos
colegas em chegar aqui, correndo nas ruas, e aqui se sentam diante desta
maquininha revolucionaria e passam seis horas mantendo seus intestinos
pressionados para depois se queixarem de prisao de ventre!
Dias eu me retiro para o aconchego dos meus pensamentos
e me afundo mais ainda no desisteresse, pois pouco tempo utilizo para ler as
listas nas quais nao me adequado e nao ha como me adequar. Fico entao me
perguntando, o que estou fazendo por aqui e porque vim para cá. Vago pelo mar
de pensamentos ora me afundando, ora me salvando, mas nunca chegando a uma real
conclusao. Parto entao para o dia-a-dia sem motivacao, sem rumo, sem passado e
sem futuro.
Na grande maioria das vezes me
sinto como uma folha seca, que se soltou de sua arvore-mater e saiu voando ao
vento do outono, aportando em alguma calcada ou caindo em algum esgoto, ou
melhor, jazendo com outras amigas – meus colegas – num beco sem saida!
Noutros lembro de nossas risadas,
nos tempos de felicidade juvenil, quando sorriamos de tudo e de todos. Tinhamos
sonhos e sabiamos que poderiamos sonha-los, pois tinhamos tempo… todo tempo do
mundo. Alguns nós os realizamos, outros os esquecemos, e uns tantos nunca deram
certo sua concretizacao… e fazendo um balanco agora posso verificar com
satisfacao que oitenta por cento daquilo que sonhamos juntos, concretizamos.
Por que nunca sonhamos com esse afastamento? Minto, eu sonhei que viriamos
curtir isso tudo juntos, porem a vida nos pregou uma peca e nos separou antes… nao
quero falar sobre isso. Näo estamos realmente separados, né? Talvez estejamos
mais juntos agora que antes!